Margareth Grilo - repórter especial - Tribuna do Norte
A estiagem que já deixa 139 municípios do sertão potiguar em estado de emergência e a alta de preços nos insumos e serviços necessários à manutenção do rebanho bovino, já provocaram uma redução de 40% na produção da bacia leiteira do Estado, segundo projeção da Federação da Agricultura e da Pecuária do Rio Grande do Norte. Por dia, são 251,8 mil litros de leite a menos. Isso, considerando a produção de 2010, apontada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), da ordem de 229,4 milhões de litros/ano.
O setor já vem de uma queda no número de vacas ordenhadas da ordem de 3,78% entre 2009 e 2010, segundo estudo da Federação da Agricultura do Rio Grande do Norte (Faern). Uma redução que fez com o setor produzisse 6,49 milhões de litros de leite a menos, nesse período. Em 2009, os produtores colocaram à venda 235,9 milhões de litros de leite de gado, contra os 229,4 milhões em 2010.
Nos onze municípios percorridos pela equipe da TRIBUNA DO NORTE a atividade leiteira sofreu um baque. Nos últimos trinta dias, o processamento diário de leite na Cooperativa de Eletrificação e Desenvolvimento Rural do Seridó (Cercel), com sede em Currais Novos, caiu de 22 mil litros para 16 mil litros. São seis mil litros de leite a menos na produção, segundo o secretário da Cercel, Mariano Coelho.
Os 4.800 associados da Cercel - produtores do Seridó Oriental, segundo Mariano, já estão produzindo 40% a menos, números que batem com a projeção da Faern. Mariano estima que, se essa queda se mantiver, a produção de leite pasteurizado e derivados pode ter uma redução de até 60%, até o final do ano. A Cercel tem hoje 70 funcionários, cinco a menos do que tinha no início do ano.
Segundo Mariano a produção do leite de cabra foi ainda maior: da ordem de 60%, em compensação o valor de venda é maior. Os produtores estão comercializando o leite de cabra a R$ 1,50. O preço de mercado do leite in natura de gado é de R$ 1,00, em média. "O impacto da estiagem", disse ele, "é grande. Já demitimos alguns empregados e, se não vierem medidas urgentes vamos enxugar mais ainda".
As dificuldades são iguais para todos no sertão potiguar. Em São José do Seridó, o agropecuarista Fernando Marinho amarga um prejuízo mensal de R$ 13 mil para manter o rebanho leiteiro e continuar produzindo leite e derivados. Na comunidade de Morrinhos, Fernando mantém, há dez anos, a usina da Laticínios Caicó Ltda (Lacol), onde produz leite pasteurizado, queijos e bebidas lácteas. A dificuldade está, segundo ele, na falta de recursos para custeio e investimento.
"Este ano, estamos sem direção, porque estávamos esperando uma coisa e veio outra", afirmou o agropecuarista. Ele refere-se à estação chuvosa. Todas as previsões feitas, em parâmetros de grande escala, no início deste ano, pelos institutos de meteorologia, apontavam para um inverno de normal a acima do normal. "Ninguém estava esperando uma seca tremenda dessas e, por isso", disse ele, "ninguém se preparou".
Ele mesmo soltou o gado, no início de fevereiro, dentro dos açudes. Resultado, o pasto acabou. Nos últimos meses, Marinho teve que abrir os cinco silos de 300 toneladas e um de 500 toneladas, onde armazenava capim elefante e sorgo. "Em fevereiro, acabou tudo", informou Marinho. Ele cria 600 cabeças, das quais 150 de vacas leiteiras. Devido à estiagem, já se desfez de 80 reses, vendidas para o abate para gerar recurso para manter, principalmente o rebanho leiteiro. As adversidades que minguam a produção já resultou no enxugamento da força de trabalho. O número de empregados caiu de 22 para 15, nos últimos 60 dias.
Preço do leite perde valor com a estiagem
Nas terras do Seridó, berço da bacia leiteira do Estado, o valor de venda do litro de leite se desvaloriza com a estiagem. Agora em maio, para adquirir cada um dos itens necessários à manutenção do gado o produtor precisa vender um volume de leite maior do que em março deste ano. A compra do concentrado (farelos de trigo, soja e algodão ou milho) exigia um investimento equivalente a 51,41 litros de leite. Hoje, o produtor gasta quase o dobro.
Uma pesquisa da Faern, que analisou um período mais longo [1995-2012] mostra a seguinte realidade: em julho de 1995 o produtor gastava 5515,75 litros de leite para comprar uma unidade de cada insumo e serviço necessário à manutenção do gado. Em 2012, adquirir os mesmos itens exige um investimento equivalente a 1.663,77 litros de leite - uma redução de 322,59% do poder de compra com o leite.
Nos últimos 17 anos, o valor dos insumos e serviços elevou-se quase quatro vezes mais (397,9%) que o preço do leite. Levando em conta um período mais recente (fevereiro/2008 a março/2012), observa-se que, enquanto os custos dos insumos cresceram em 37,76%, o preço do leite atingiu, em média, 21,21% - cerca de 78% dos custos.
Segundo os produtores, a bovinocultura começou a declinar há dois anos, com a seca de 2010. Mesmo o inverno rigoroso de 2011 não deu um novo fôlego ao setor. Somados às intempéries do clima, os atrasos no repasse dos recursos do Programa do Leite, que começaram no fim do governo anterior e persistiram até março deste ano, deixaram a bacia leiteira potiguar sem capital de giro. Os pagamentos só foram regularizados pelo governo no início de abril.
Em alguns municípios, os efeitos da desvalorização da bovinocultura leiteira foram devastadores. Há, pelo menos, três anos a usina de leite da Cooperativa Agropecuária de São Tomé, que chegou a ter 1.200 associados, está desativada.
Os negócios começaram a declinar entre 207 e 2008. Nessa época, por problemas estruturais, a usina deixou de beneficiar e passou a apenas receber o leite. Na época, já estava com um número sócios reduzido a 300 e somente 20 produziam leite, entregando 1.200 litros/dia, que eram beneficiados em Natal. A usina fechou entre o final de 2008 e início de 2009. Hoje, os sócios estão inadimplentes e sem condições de retomar os negócios.
Faern pede medidas a Governo
A estiagem, que vem reduzindo a produção leiteira, desenha um cenário desanimador para os produtores de queijo. A tendência, segundo o agropecuarista Fernando Marinho é de quebra das médias e pequenas queijeiras do Seridó, se não houver uma assistência aos produtos. Não bastasse a seca, o setor formal, segundo a queijeira Gertrudes Fernandes de Araújo, 66 anos, é afetado pelo crescimento do mercado informal. Somente no Seridó, segundo levantamento da Faern, existem 314 queijeiras.
Muitas delas, vivendo no chamado 'comércio paralelo'. Com a estiagem, a produção foi afetada significativamente. Numa das mais tradicionais queijeiras de Caicó, a de Gertrudes, a produção já registra uma queda de 25%. "Infelizmente, nós estamos repassando os custos, que vem aumentando ao cliente e as vendas, consequentemente, caem", diz a filha de Gertrudes, Alana Kaline.
Nos diversos municípios do Seridó, as queijeiras chegam a pagar, devido à baixa oferta de leite R$ 1,10 e R$ 1,50 por litro. Esse valor é R$ 0,67 centavos maior que o valor pago, por exemplo, pelo governo do Estado no Programa do Leite.
Na terra do leite, a produção artesanal está reduzida a metade. "Hoje, o dinheiro do queijo não dá pra comprar um saco de torta", comentou a queijeira Ermínia Maria da Costa, 43 anos. No sítio, ela e o marido criam cinco cabeças de gado, das quais duas vacas leiteiras.
A crise acentuada no campo, levou a Faern a entregar um documento ao governo. E listou algumas medidas fundamentais: o melhoramento da assistência técnica; a disponibilização de crédito adequado e específico para o incremento, além de máquinas e equipamentos; a regularidade no abastecimento de insumos básicos, como milho, sorgo, soja, algodão e trigo; e tributação diferenciada que estimule a produção.
Recursos precisam de definição
O governo federal, através do Ministério da Integração Nacional, autorizou o empenho e a transferência de recursos da ordem de R$ 10 milhões para ações de Defesa Civil no Rio Grande do Norte. Segundo o coordenador da Defesa Civil do Estado, tenente-coronel Josenildo Acioli, a aplicação dos recursos será definida pelo Comitê Integrado da Seca. O Comitê se reúne na segunda-feira, às 17h.
Acioli informou que o governo poderá utilizar a verba na compra de remédios; na ampliação da oferta de água potável; na contratação de mais caminhões para a operação-pipa; na compra de alimentos; e na manutenção de poços tubulares, entre outras ações. De acordo com a portaria 279, o repasse do recurso será feito em parcela única, com prazo de 365 dias, a partir da liberação, para a execução das obras.
Acioli explicou que a aplicação dos recursos terá por base o planejamento apresentado por cada secretaria de Estado ao Comitê Integrado da Seca. A expetativa do coordenador da Defesa Civil é de que os recursos cheguem até a próxima semana, mas ele ressaltou que a portaria autoriza o empenho. "Ainda leva tempo até o dinheiro cair na conta do Estado", avisou.
No decorrer da semana, o governo trabalhou em várias frentes para garantir recursos federais para minimizar os efeitos da seca. Em Brasília, a governadora Rosalba Ciarlini teve audiência no Ministério do Desenvolvimento Social para pedir que o governo federal dispense ao RN o mesmo tratamento dado aos outros estados, no subsídio ao leite. O RN é único a receber, da União, apenas 20% dos custos do programa. Os demais Estados recebem 80%.
A ampliação dessa participação federal permitirá, segundo o governo, que o programa, que hoje atende 107 municípios, chegue a outros 50, o que representaria um aumento de 150 mil litros distribuídos por dia, e dará, segundo a governadora, condições para aplicar um reajuste maior ao preço do leite.
Ontem, o Diário Oficial da Estado trouxe o decreto 22.716, abrindo uma suplementação da ordem de R$ 5,634 milhões. Do total, R$ 1,299 milhão serão destinados à construção e instalação de, pelo menos, 70 poços tubulares, nas regiões de cristalino - seridó, central, médio e alto oeste, segundo o secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Gilberto Jales.
Além disso, o Governo do Estado aguarda a liberação de R$ 2,3 milhões para a restauração e consertos de 140 poços tubulares nos 139 municípios em estado de emergência. No caso dos poços que apresentam água salgada, o governo distribuirá dessalinizadores. São 40 municípios potiguares que receberão os equipamentos.
Fonte: Tribuna do Norte
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