quarta-feira, 25 de abril de 2012

MP investiga Associação Marca

A parceria entre a Associação Marca e a Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) para gestão do Hospital de Referência e Atenção à Mulher, de Mossoró, o chamado Hospital da Mulher, está sendo investigada pelo Ministério Público Estadual. A 1ª Promotoria de Justiça de Mossoró quer esclarecer as condições em que o Termo de Parceria, que envolve recursos da ordem de R$ 15,8 milhões, foi estabelecido e como vem sendo executado. 

O inquérito civil, instaurado no dia 1º de março, portanto, antes da inauguração, teve por base denúncias do Conselho Estadual de Saúde, e aponta algumas falhas.  Segundo o promotor Flávio Côrte um dos problemas foi a falta de consulta prévia ao Conselho Estadual de Saúde (CES-RN). O Termo de Parceria, assinado dia 29 de fevereiro, não foi submetido à analise dos conselheiros, como manda a Lei Federal nº 9.790, que regula a contração de organizações sociais.

Além disso, a contratação, que envolve recursos mensais de custeio, da ordem de R$ 2,5 milhões, foi feita com dispensa de licitação, mediante a justificativa de "situação de emergência", na área materno-infantil na região Oeste. Nos últimos 54 dias, tanto o MPE, quanto os conselheiros do CES se debruçam sobre as mais de 300 páginas do processo administrativo, iniciado em dezembro de 2011.

Para os conselheiros do CES-RN "a emergência foi fabricada" e o processo "acelerado como estratégia para inaugurar o hospital em 8 de março, Dia da Mulher". Segundo a presidente do CES, Francinete Melo, há indícios fortes de que a Associação Marca começou a atuar antes da assinatura do contrato. "Em fevereiro, a empresa já estava comprando equipamento e materiais, sem que sequer existisse um contrato firmado e publicado no Diário Oficial", denunciou Francinete.

A reportagem da TRIBUNA DO NORTE teve acesso à cópia do processo 3972/12-1, referente à contratação de uma organização social para prover a gestão do Hospital da Mulher, integrante da Rede Hospitalar Estadual. Esse processo se iniciou em 5 de dezembro de 2011, e nele consta um documento de setembro de 2011 no qual o governo atesta a necessidade de instalar mais uma maternidade em Mossoró.

"Para comprovar a emergência", disse o conselheiro Francisco Canindé Santos, representante dos usuários, "a Sesap inseriu matéria de jornal". O conselheiro destacou que "em todo o processo não há um só documento técnico da estatística da Sesap" que ateste a tal emergência. Os conselheiros afirmaram que querem esclarecimentos para saber se havia um "acordo verbal" com a Associação Marca antes da assinatura do contrato.

"Para que se possa comprar algo em nome do setor público", disse Canindé Santos, "tem que ter alguma coisa por escrito. Então a Marca já tinha garantia de que o contrato seria dela?", indagou.  No processo, é possível constatar que o ofício da Associação Marca apresentando a proposta de trabalho à Sesap foi encaminhado em 2 de fevereiro, antes da autorização do secretário Estadual de Saúde, Domício Arruda,  para o início do procedimento de seleção e escolha da entidade a ser contratada em caráter emergencial, por 180 dias. Esse despacho saiu quatro dias. 

No despacho, o titular da Saúde orienta "o envio de convite a, pelo menos, três empresas, dando-se prazo de sete dias para formalização de interesse". Ainda segundo esse despacho, emitido dia 6 de fevereiro, a escolha deveria ser "baseada em critérios de capacidade de logística de implantação até início de março, ou seja, aproximadamente, 45 dias para funcionamento efetivo". 

Esse despacho foi submetido à Assessoria Jurídica da Sesap, que se pronunciou dois dias depois. Para os conselheiros está claro que "tudo foi um jogo de cartas marcadas e continua sendo". No parecer, a Assejur/Sesap sugere o prosseguimento do processo, mas afirma a necessidade de "prévia submissão do termo de parceria ao Conselho de Políticas Públicas local e ao Conselho Estadual de Saúde, ainda que venha a se tratar de situação reconhecida como emergencial. O processo foi submetido à Procuradoria Geral do Estado (PGE), que desobrigou a Sesap desse compromisso, considerando a situação de 'emergência'.

Conselho aponta situações inadequadas

Em inspeção ao prédio do Hospital da Mulher, os conselheiros do CES-RN identificaram, segundo a conselheira Heloísa Helena Lima, que também é chefe de Fiscalização do Conselho Regional de Farmácia, inúmeras situações inadequadas. "Além de existir  obras em frente a UTI adulto", disse ela, "identificamos botijões de gás próximo da UTI neonatal, o que é totalmente inaceitável e se constitui num grande risco".

Segundo a conselheira, o Hospital da Mulher tem pendência de alvarás. "Eles não tem autorização da Covisa e também estão sem o Habite-se", afirmou Heloísa Helena. O promotor Flávio Côrte afirmou que, em março, quando fez visita à unidade, identificou a pendência de alvarás, e que isso será incluído no procedimento, mas não é o objeto central do inquérito.

"Nesse início", explicou o promotor, "estou analisando a formalização dessa estrutura tentando vê a raiz do problema". Segundo ele, se o MP chegar à conclusão de que "as irregularidades são sanáveis, vai propor a solução, mas se concluir que as irregularidades são graves e insanáveis, então o problema será cortado na raiz". Por convocação do promotor, já foi realizada uma audiência que consta no inquérito.

Em Natal, por iniciativa do deputado estadual, Fernando Mineiro, a parceria também foi tema de audiência pública no último dia 14. Para o deputado, a forma adotada para contratar deixa desconfiança "quanto à continuidade do trabalho no hospital". Essa é a mesma opinião dos conselheiros do CES. 

Não há  garantia, segundo a conselheira, Francisca Valda, de que, quando o contrato terminar, os bens serão disponibilizados ao Estado. "Além disso, o contrato de aluguel", arrematou, "é feito diretamente entre a OS e quando for feita a licitação se a empresa Marca não vencer. Ela vai embora e o Estado tem que começar do zero?"

Sesap explica providências adotadas

Ao buscar informações sobre as condições do Termo de Parceria para a gestão terceirizada do Hospital da Mulher, a TRIBUNA DO NORTE não conseguiu uma posição oficial da Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap). Segundo informações da Assessoria de Imprensa, o secretário Domício Arruda e a coordenadora de Hospitais, Almerinda Fernandes, estavam em Brasília e não teriam como atender a reportagem.

Os gestores cumpriam agenda administrativa no Ministério da Saúde. Já no final da tarde, a direção da unidade, por meio da  Assessoria de Imprensa, respondeu alguns questionamentos feitos. Com relação ao processo de compras, a Assessoria informou que "todas as compras realizadas para o Hospital da Mulher foram feitas dentro da legalidade".

O CES-RN questiona se está ou não sendo feita a pesquisa de mercado, como manda a Lei 9.790 (que regula as Oscip - Organização Social de Interesse Público). Ainda segundo a Assessoria, o Alvará de localização "não foi possível até o momento, tendo em vista as dificuldades encontradas no registro de filial da Associação Marca no município de Mossoró".

Segundo as informações, a entidade já deu entrada no pedido no 5º Serviço Notarial e Registral, sob protocolo de número 1113/12, "porém as exigências feitas pelo cartório divergem de outros municípios onde a Marca já tem filial e há 16 dias, tal solicitação ainda não foi liberada". Com relação ao Alvará da Covisa, a direção informou que deu entrada na Coordenação Estadual de Vigilância Sanitária, sob protocolo de nº 760/2012.

A direção garantiu que os bens adquiridos com recursos do erário estadual estão sendo tombados pela Associação Marca e que a listagem de tombamento será encaminhada à Sesap para que seja incluída na relação dos bens que são da própria Secretaria. 

Plenária do CES convoca Sesap e Marca

A Associação Marca foi convocada pelo Conselho Estadual de Saúde para prestar contas da execução do Termo de Parceria, na plenária do próximo dia nove de maio. Na sabatina, os conselheiros querem esclarecer pontos do Termo de Parceria que ainda estão "nebulosos". Na plenária de maio, o CES-RN quer, além dos esclarecimentos da Associação Marca, que o secretário estadual de Saúde explique a Implantação do Plano de Gestão da Sesap para o Hospital da Mulher.

No caso da execução do contrato, o CES quer saber quanto a Sesap já repassou para a organização social. No processo administrativo ao qual o CES-RN teve acesso constam três empenhos, no valor global de, aproximadamente, R$ 5,4 milhões. Os empenhos aparecem como "liberados", com assinatura do secretário da pasta, no dia 08 de março, dia da inauguração da unidade. Mas não conta informação de pagamento.

Nessa data, o contrato já estava assinado, mas a publicação do Extrato do Termo de Parceria, no Diário Oficial do Estado ainda não tinha sido feita. Segundo o conselheiro Canindé Santos, por lei, essa publicação deve ocorrer até 15 dias após a assinatura do contrato. "Até agora o Estado só publicou a minuta do Extrato do Termo", asseverou o conselheiro.

A presidente e a vice-presidente do CES-RN, Francinete Melo e Francisca Valda, já anunciaram que a entidade vai levar o caso ao Tribunal de Contas do Estado. O mesmo será feito na Procuradoria Geral do Estado. Ontem, a TN foi informada pela Assessoria de Imprensa do Hospital da Mulher que a entidade já recebeu uma primeira parcela de repasse. O valor diz respeito à compra de equipamentos (R$ 2,6 milhões e custeio (2,59 milhões). Um terceiro empenho, de R$ 218,8 mil também liberado pelo secretário na mesma data, ainda não teria entrado na conta da empresa.

Bate papo

Flávio Corte, promotor de Justiça Mossoró-RN

'Chama atenção o fato de a Sesap ter alegado emergência'

O que o inquérito civil já constatou até agora?

O que chama atenção é o fato de a Sesap ter alegado emergência, quando em meados do ano passado a necessidade de instalar mais uma maternidade já era reconhecida. Tem uma solicitação, de agosto, partindo de dentro da Secretaria de Saúde do Estado, dizendo que precisa instalar uma maternidade em Mossoró, mas sugeria a licitação. Aí o processo tramita, tem uma interrupção e quando chega o final do ano passado, começo deste ano, é que tudo é feito e com dispensa de licitação. Tem outros pontos também, como a falta de consulta prévia ao Conselho Estadual de Saúde, como determina a lei 9.790.

O senhor vai judicializar essa demanda?

Ainda não tenho como te dizer hoje qual vai ser o destino dessa investigação, mas estou trabalhando para concluir o inquérito agora no mês de maio. Quero até o dia 15 de maio ter uma posição de onde ajuizar a ação, onde fazer alguma medida. 

O que mais preocupa?

O Estado alega que em seis meses vai fazer a licitação para a contratação definitiva. Mas o problema é o seguinte: já se passaram quase dois meses. Então a gente só tem quatro meses até terminar o termo de parceria, que foi assinado e a minha pergunta é: se não deu tempo de fazer em sete oito meses, vai dar tempo em quatro meses. O processo já foi deflagrado, mas pelo que tomei conhecimento no dia 11 de abril ele ainda estava em fase muito inicial. Uma coisa que tem que ficar bem claro é que não somos contra a instalação de uma maternidade. Reconhecemos a necessidade de mais uma maternidade. Isso é indiscutível. 

O que questionamos são os aspectos legais. Se deveria ter sido feito dessa forma [emergência]; se deveria ter sido feita a dispensa de licitação ou mesmo de seleção prévia. Nossa preocupação é no sentido de saber como está sendo o acompanhamento dessa Associação, como estão sendo feitos os repasses, se a organização está fazendo pesquisa de preço no caso dos equipamentos e materiais que estão sendo comprados, e se não seria o caso de o Estado gerir.  



Fonte: tribuna do norte

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