O bioma predominante no semiárido potiguar, a caatinga - que no Rio Grande do Norte ainda possui 53% de área remanescente - o que equivale quase ao tamanho do estado de Alagoas) pode ser uma fonte de renda permanente e lucrativa para o sertanejo. De forma legal e planejada, é possível tirar o sustento do corte da vegetação nativa, seja para uso residencial, da indústria ou do comércio, sem causar desmatamento e erosão. Essa alternativa tem nome: manejo florestal sustentável.
"O consumo de lenha em nosso país e, principalmente, no Nordeste é uma realidade e tem que continuar existindo, mas é possível continuar cortando lenha, de forma legalizada, ordenada e sustentável", afirma o chefe da Unidade Regional Nordeste do Serviço Florestal Brasileiro, Newton Duque Estrada Barcellos. Ele anunciou que, na semana passada, o SFB, órgão do Ministério do Meio Ambiente, começou a selecionar áreas do Seridó e da Chapada do Apodi para implantar projetos de manejo florestal comunitário na caatinga.
Júnior SantosCom o manejo sustentável, o bioma da Caatinga será uma nova alternativa econômica para as populações do semiárido do Estado
A prioridade serão os assentamentos rurais e a agricultura familiar. No Seridó, o objetivo é legalizar o corte de lenha para uso da cerâmica vermelha; e na Chapada do Apodi, para a indústria do cal. No Estado, a expectativa da Unidade Regional Nordeste da SBF é de que o manejo florestal comece a ser implantado a partir do segundo semestre deste ano. Por ano, o consumo total de lenha no RN pelos setores industrial e comercial, seja para o uso direto ou para a transformação em carvão vegetal, é de 2 milhões de metros.
Atender essa demanda, de maneira sustentável e legalizada, exige o manejo de uma área de 200 mil hectares, segundo dados do SFB. Newton Barcellos explicou que o governo federal já garantiu recursos da ordem de R$ 3 milhões para atender todo o semiárido, principalmente, o RN e o Ceará, estados que possuem poucos planos de manejo florestal sustentável. "Os planos que existem (em torno de 25)", afirmou Newton Barcellos, "estão restritos a grandes proprietários".
No Estado, do consumo anual, apenas 4% é legal, segundo Newton Barcellos. Ou seja: 96% da caatinga é extraída ilegalmente. Em praticamente todo o semiárido potiguar, o sertanejo pratica, principalmente, na estiagem, o corte da vegetação nativa, seja para matar a fome do rebanho, seja para comercializar a lenha ou mesmo para uso doméstico sem pensar no dia de amanhã.
A maioria dos 'cortadores de lenha', por instinto de sobrevivência, vai abrindo clarões, mata adentro, em busca de plantas que possam produzir lenha e carvão, sem dar condições de regeneração à esse bioma. No semiárido potiguar, entre 2002 e 2009, a caatinga perdeu mais de 1,2 mil quilômetros quadrados.
O monitoramento do Bioma Caatinga, feito pelo Ministério do Meio Ambiente, mostra que antes de 2002 esse bioma já havia perdido mais de 21,4 mil quilômetros quadrados. Segundo Barcellos, o plano de manejo florestal sustentável vai fomentar "uma alternativa econômica, apesar da estiagem, e proteger o bioma caatinga". Dos biomas continentais brasileiros, presentes no Estado, a mata atlântica abrange 6% e a caatinga, 94% do território.
Segundo Newton Barcellos, o projeto visa o fomento, a promoção e o estímulo à floresta de produção. Ele disse que "não se pode tratar o corte de árvores da caatinga somente de maneira policial". "A exploração florestal precisa existir", enfatizou o engenheiro florestal, "até porque não há como chegar para quem trabalha com a lenha e dizer: agora você deve mudar para o gás".
No Estado, a indicação das áreas para a implantação dos planos de manejo foi feita por dois órgãos - o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra/RN) e a Secretaria Estadual de Assuntos Fundiários e Apoio à Reforma Agrária (Seara/RN), a partir de edital publicado pelo governo federal. Concluída a fase da seleção, a SFB vai abrir a contratação de assistência técnica especializada por, no mínimo, três anos. A autorização de manejo é dada pelo órgão ambiental estadual, no caso, o Idema - Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente.
Sem irrigação, produção ainda é deficiente
Ao percorrer onze municípios para a série "pelos caminhos da seca", a equipe da TN encontrou algumas plantações de palma, cactos que hoje é a fonte de sobrevivência do gado. Alguns, como o agropecuarista Fernando Marinho, que durante 35 anos foi técnico da Embrapa, aplicam seus conhecimentos e tecnologias no cultivo da palma irrigada. Mas, esses, são poucos. Na grande maioria das terras, onde há há cultivo desse cactos, sem ter acesso às tecnologias de irrigação, o sertanejo aposta apenas na terra. Nem sempre a produção segura.
E isso não acontece por falta de apropriação de novas tecnologias. Nos últimos anos, a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn) expandiu e aprimorou pesquisas em diversas áreas, entre elas, o cultivo da palma adensada e irrigada, projeto inédito e pioneiro no país. "Nos últimos dois anos", destacou o presidente da Emparn, José Geraldo Medeiros da Silva, "os resultados em relação à apropriação dessa tecnologia são muito animadores".
A Emparn desenvolve dois projetos de cultivo em Cruzeta, na região Seridó; em Pedro Avelino (terras Secas); e em Apodi. O cultivo, nos moldes do que é desenvolvido pela Emparn - irrigação por gotejamento - consome o mínimo de água possível (10 litros por metro linear), mantendo alta produtividade. A pesquisa que vem sendo conduzida (ainda não foi publicada) mostra que nesse sistema a eficiência da água é bem maior. Em outros plantios, gasta-se, pelo menos, dez vezes mais.
Segundo José Geraldo, as cactáceas, de modo geral, chegam a consumir de 100 a 150 litros de água por quilo de matéria seca. Já as leguminosas gastam de 700 a 800 litros de água por quilo. As gramíneas consomem de 250 a 360 litros de água. A estimativa, disse ele, é de que esse sistema, de 50 mil plantas por hectare, atinja uma produção de 137 toneladas de biomassa por hectare.
Em Apodi, segundo José Geraldo, a palma miúda pode atingir uma produção de 400 toneladas de biomassa por hectare, e a palma gigante de 500 toneladas por hectare. José Geraldo disse que, associados a concentrados, os cactos podem gerar uma boa produção de leite e engorda. Ele citou alguns exemplos: ao se alimentar de 50 quilos de xiquexique, em substituição à silagem de sorgo, uma vaca pardo-suíço chega a produzir até 15 litros de leite/dia.
Garrotes que se alimentaram de 15 a 17 quilos de xiquexique ou mandacaru, associado a sete quilos de silagem de sorgo e 1,7 quilos de concentrado ganharam em torno de ½ kg de peso por dia. Os resultados não são muito diferentes no caso da palma. José Geraldo reconhece que, apesar da ampliação e do avanço das pesquisas, a aplicabilidade é ínfima, porque "falta sensibilidade ao governo para investir na aplicabilidade das pesquisas". "No caso das forragens", citou o técnico, "o índice de adoção não chega a 5%".
Além do cultivo adensado e irrigado da palma, a Emparn desenvolve pelo menos 20 produtos de pesquisa, entre os quais o de produção e conservação de forragens; o manejo de capim elefante; e o melhoramento genético animal, uma possibilidade, segundo José Geraldo, de alavancar, em nível de Estado, uma linhagem com alto grau de pureza e produtividade.
Nordeste tem projetos bem avaliados
Em, pelo menos três estados do Nordeste - Paraíba, Pernambuco e Piauí - a relação preservação e renda deixou de ser antagônica, há anos. O manejo florestal legalizado e sustentável da caatinga começou em 2006, com 13 projetos em Pernambuco e oito na Paraíba. Em Serra Talhada, no sertão pernambucano, o manejo de seis mil hectares de caatinga está sob os cuidados de 801 famílias de pequenos agricultores. Nesse estado, já são 18 assentamentos envolvidos no projeto. O investimento federal é da ordem de R$ 500 mil, por dois anos de contrato.
"Lá os agricultores já estão criando uma cooperativa", destacou o chefe da Unidade Regional Nordeste do SFB, Newton Barcellos. O manejo florestal é feito com orientação de engenheiros florestais, contratados pelo SFB e obedece a critérios definidos por estudos científicos, realizados ao longo dos últimos 25 anos. A pesquisa resultou no livro "Uso sustentável e Conservação dos Recursos Florestais da Caatinga", de 2010.
Barcelos explicou que o manejo leva em conta as características do bioma, analisa qual o melhor tipo de corte com a finalidade de fazer a vegetação crescer no menor tempo e fixa a proteção das árvores protegidas pela lei, como a baraúna e a aroeira; as frutíferas, como o umbuzeiro; as utilizadas na alimentação do gado, como a quixabeira e as integradas à cultura popular, com destaque para o juazeiro. Além disso, 20% da área sob manejo é mantida em reserva legal.
A área destinada ao manejo é dividida em 15 unidades. Apenas uma dessas poderá ter sua madeira cortada no ano. Depois, a mata desse lote ficará intocável por, no mínimo, 14 anos. "É o tempo suficiente para que a vegetação desse talhão se regenere", explicou Newton Barcelos. Ao autorizar o manejo florestal, o Idema emite o documento de origem florestal (DOC) para a comercialização da madeira e faz a fiscalização anual, antes de depois do corte.
Ministério propõe ações para a recuperação do solo degradado
Em Natal, na última quinta-feira, 31/05, o ministro da Agricultura, Abastecimento e Pecuária (Mapa) Mendes Ribeiro Júnior adiantou que discutirá com a governadora Rosalba Ciarlini um pacote que prevê ações para a recuperação do solo. "Vamos discutir o projeto e ver locais onde precisamos de sementes e de calcário para poder recuperar o solo", afirmou Mendes Ribeiro. Até 2020, o Ministério da Agricultura quer recuperar 15 milhões de hectares de áreas de pastagens degradadas em todo o país, em especial no semiárido.
O Brasil possui cerca de 30 milhões de hectares de áreas de pastagens em algum estágio de degradação, com baixíssima produtividade para o alimento animal. O uso correto de tecnologias e de boas práticas agropecuárias torna possível reinseri-los ao processo produtivo. O calcário é utilizado como insumo agrícola para correção do solo.
O projeto de incentivo à aquisição de calcário, que está previsto no Plano Safra 2011/12 e no Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC), já foi iniciado em outras unidades da federação. O solo degradado é consequência da perda de sua capacidade física e química (fertilizantes) de continuar produtivo, o que o impossibilita de reter gás carbônico (CO2). Além do empobrecimento do produtor rural, a degradação ambiental impõe elevados custos à sociedade.
Calcário na agricultura
Com o tempo, o solo degradado vai se acidificando e é necessária uma dose de reforço, que vem exatamente com o uso do calcário. Além de corrige a acidez do solo, o calcário fornece nutrientes, como o cálcio e magnésio.
O uso desse insumo permite que se preservem áreas tanto na produção de grãos, quanto para pastagem.
Fonte: Tribuna do Norte
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