sábado, 12 de maio de 2012

WG: "um barco à deriva"

Sem diretor geral há mais de 30 dias e enfrentando sérios problemas de abastecimento e quitação de dívidas, o complexo hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel/Pronto-Socorro Clóvis Sarinho é "um barco à deriva". A assertiva foi feita pelo médico intensivista e ex-diretor da unidade, Sebastião Paulino, ontem pela manhã à TRIBUNA DO NORTE. Mesmo três dias depois da interdição ética da Unidade de Emergência, pelo Conselho Regional de Medicina (Cremern), o governo não adotou providências para minimizar a desassistência.
Alberto LeandroPelo menos uma dezena de leitos estão desativados há seis meses por falta de técnicos, enfermeiros e médicosPelo menos uma dezena de leitos estão desativados há seis meses por falta de técnicos, enfermeiros e médicos

Na manhã de ontem, a equipe de reportagem voltou ao complexo e percorreu setores do Pronto-Socorro Clóvis Sarinho e do HMWG, ladeada pelo médico, e constatou a falta de insumos de imprescindível utilização no tratamento de pacientes e ouviu relatos das dificuldades enfrentadas diariamente pela equipe médica. 

Dos dez leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da ala Bernadete, quatro foram desativados temporariamente por falta de médico plantonista. Desde a quinta-feira passada, somente enfermeiros e técnicos de enfermagem se revesavam no cuidado de seis pacientes em estado grave. De acordo com informações dos profissionais que atuam no setor, o médico diarista que deveria ter assumido o último plantão estava de licença médica e nenhum outro foi deslocado pela administração do Hospital para assumir a vacância. 

"UTI sem médico não é UTI. É mais um leito de enfermaria. E com um agravante: os pacientes estão em estado grave, correndo risco", advertiu Sebastião Paulino. A falta de medicamentos e insumos hospitalares atinge todos os setores da maior unidade estadual de Saúde. Na UTI Cardiológica que dispõe de seis leitos atualmente, por exemplo, dois pacientes morreram ao longo desta semana pois o único eletrodo que deveria ter sido introduzido no coração de cada um deles para a colocação de um marcapasso não estava esterilizado. O Hospital não havia quitado uma dívida com a empresa que realiza as esterilizações, o que pode ter contribuído para a situação crítica da ala cardiológica. Ontem, porém, os profissionais do setor já dispunham de um eletrodo apto para uso, esterilizado.

"Muitas vezes temos que recorrer ao Hospital Universitário Onofre Lopes para conseguirmos um eletrodo. Falta o mínimo para um procedimento invasivo num paciente. Na realidade, trabalhamos na base do improviso", relatou um servidor do setor. Ele disse, ainda, que a medicação básica para a estabilização clínica de um cardiopata está em falta.

Por esta razão e também pela falta de médicos especialistas, outros quatro leitos de UTI Cardiológica foram fechados atendendo a um pedido do Conselho Regional de Medicina (CRM). Com leitos da UTI Bernadete somados ao da UTI Cardiológica, o número de leitos de alta complexidade no Hospital Walfredo Gurgel em desuso chega quase a uma dezena.

Pediatria

Na ala pediátrica do complexo hospitalar, os seis leitos de UTI estão ocupados. Três dos pacientes estão em estado crítico e um deles internando há mais de um ano na unidade. Os médicos pediatras receitam os medicamentos pautados não pela real necessidade dos pequenos pacientes, mas sim pelas drogas disponíveis na farmácia do Hospital. 

"A falta de condições de trabalho pode levar o paciente ao risco de morte", relatou um profissional do setor. Além dos medicamentos, os médicos não dispõem de capotes para a realização de procedimentos, o número de lençóis não atende à alta demanda e muitos pacientes precisam comprar papel higiênico para os sanitários. 

"Você vai procurar a diretoria, mas não tem diretor. Não sabemos o que fazer. Eu nunca vi um negócio tão absurdo como esse. Está um verdadeiro caos", descreveu um dos médicos plantonistas. Até o meio-dia de ontem, 13 pacientes aguardavam por uma vaga em um dos nove leitos da UTI Geral. De acordo com Sebastião Paulino, médico intensivista que estava de plantão ontem, o desabastecimento "impera". 

Faltam desde remédios até a vestimenta médica adequada para a realização do atendimento aos pacientes. Até mesmo a sedação dos enfermos está sendo feita de forma improvisada com propofol quando deveria ser utilizado o midazolan associado ao fentanil. "Os hospitais estaduais são hoje um barco à deriva. Nós estamos com pacientes morrendo em nossas mãos por falta de condições de trabalho", lamentou o médico. 

A secretaria interina de Saúde, Dorinha Burlamaqui, foi procurada para comentar a situação do Hospital, mas não foi localizada. A assessoria de imprensa da Sesap também não respondeu às tentativas de contato telefônico.

Leitos de UTI estão sem uso por falta de médicos

Em ação recente, a 47ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde ajuizou Ação Civil Pública contra o Governo do Estado com o objetivo de garantir o abastecimento ininterrupto de medicamentos, insumos, produtos médicos-cirúrgicos e hospitalares nas 23 unidades de saúde que compõe a rede de hospitais do Estado. As irregularidades denunciadas na ação foram identificadas a partir das investigações realizadas no Inquérito Civil n.º 020/2011.

Os promotores verificam a falta de medicamentos e de insumos nos principais hospitais da Rede Estadual: Hospital Walfredo Gurgel, Hospital Santa Catarina, Hospital Pediátrico Maria Alice Fernandes, Hospital Giselda Trigueiro, Hospital Deoclécio Marques de Lucena e Hospital Dr. Ruy Pereira. 

Toda essa problemática explica a dificuldade que a Unidade Central de Agentes Terapêuticos (UNICAT) tem de efetuar as compras e o abastecimento dos medicamentos e insumos e reflete a assistência inadequada aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). No último dia 22 de maçro, a Sesap fez repasse de R$ 1 milhão para os oito hospitais com autonomia. Os processos de compra estão em fase de licitação.

À promotoria, a direção dos hospitais e a Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) afirmaram que a situação do desabastecimento é devida às irregularidades nos repasses financeiros e orçamentários efetuados pela Secretaria de Estado do Planejamento e das Finanças (Seplan) à Sesap, bem como aos débitos da Sesap com fornecedores referentes ao ano de 2010.

Regulação exige capacitação de servidores

Para o coordenador do Samu Metropolitano, Luiz Roberto Fonseca, a regulação precisa ser efetivada na porta de entrada do hospital. Hoje, segundo ele, falta organização para definir o perfil do paciente que pode ser transferido. Além disso, "uma regulação efetiva exige além do interesse dos profissionais, a capacitação desses servidores e a criação de equipes específicas para o Acolhimento, a Regulação e a Assistência". Não adianta, segundo ele, o mesmo profissional ficar realizando todas as atividades. 

Para a pediatra Marleide Alves, da UGV, o HMWG precisa de uma retaguarda adequada. "Pelo perfil do Walfredo, que recebe doenças graves e complexas", disse a médica, "é preciso que tenhamos, na retaguarda, hospitais equipados e com especialistas, para  efetivar transferências, o que não existe hoje. Essa é a maior dificuldade para a regulação funcionar".

Cremern reclama de omissão por parte do Governo

O presidente do Cremern, Jeancarlo Fernandes, afirmou ontem à TRIBUNA DO NORTE que mesmo dias depois da interdição ética na Unidade de Emergência "o Governo está sendo omisso". "Até agora, dias depois da interdição, nenhuma medida foi tomada pelo Estado", afirmou Jeancarlo Cavalcante. A Unidade de Emergência Clínica, também chamada de Reanimação, do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel/Clóvis Sarinho foi usada  nos últimos meses para a internação de pacientes graves. Eles precisavam de leito de terapia intensiva e ficaram na  reanimação por falta de leitos de UTI. 

A sala de Emergência Clínica foi interditada eticamente por decisão do Conselho Regional de Medicina no Rio Grande do Norte (Cremern), na terça-feira passada. Desde então, a Reanimação não pode receber novos pacientes e acomodá-los em leitos improvisados de UTI.  Ontem, um dos pacientes que ainda estavam internados no setor, morreu. Ainda estão sendo mantidos três pacientes no local. 

No dia da interdição do Conselho, um laudo elaborado pelo órgão apontava que existiam seis pacientes em tratamento na sala de Reanimação. No entanto, a assessoria de imprensa do Pronto-Socorro Clóvis Sarinho informou que eram cinco pessoas hospitalizadas. Destas, uma foi transferida e outra, como dito anteriormente, morreu.

"A medida do CRM não foi respeitada e o primeiro paciente morreu. Será que vão esperar morrer os outros três para providenciarem outros leitos?", indagou Sebastião Paulino. Na resolução, o Cremern determina providências a serem adotadas na Unidade de Emergência, entre elas, manter médicos qualificados na unidade para dar assistência nas 24 horas;  reparar ou adquirir camas específicas para substituir as sucateadas; manter reserva de, no mínimo, dez por cento dos equipamentos; e reabastecer a unidade de medicamentos, principalmente de antibióticos.

Segundo o presidente do Cremern, Jeancarlo Cavalcante, as condições de funcionamento da Reanimação foram analisadas pelo corpo técnico do Conselho antes de deliberarem pela interdição ética. "Os motivos para a interdição foram as precárias condições de atendimento aos pacientes. Alguns deles apresentavam larvas de moscas saindo pela cavidade oral no dia em que visitamos o local", detalhou o presidente. Ele disse que a Saúde estadual vive hoje um caos generalizado. 

Sobre a possibilidade de reabertura dos leitos de UTI em desuso atualmente pela falta de equipe médica, o presidente do Cremern disse que foi aberto um diálogo com a Sesap, mas ainda nada foi confirmado. 

Ele ressaltou que os leitos não poderão ser reativados se o Estado não dispuser de uma equipe médica específica para a ala de unidades de terapia intensiva. Há, ainda, a possibilidade dos equipamentos serem montados em outro setor que disponha de médicos plantonistas e equipe técnica de enfermagem à disposição 24 horas. Tudo depende, porém, da Secretaria Estadual de Saúde.



Fonte: Tribuna do Norte

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